sábado, 4 de fevereiro de 2012

O Segredo de Beethoven-O FILME


O Segredo de Beethoven


Filme que mistura fatos verídicos com ficcionais para contar os últimos anos de vida de Beethoven, focado na composição da Nona Sinfonia.

Com atuações de Ed Harris (Beethoven) e de Diane Kruger (Anna Holtz), o filme conta como Beethoven, a beira da surdez, teria sido ajudado por uma brilhante estudante de música a terminar e reger a Nona Sinfonia. A princípio desprezada por Beethoven, a jovem consegue com esforço quebrar a carcaça do compositor e conquistar seu coração. Sinopse ingênua e clichê? Com certeza. Depois eu vou comentar a parte histórica do filme, mas deixando de lado os fatos, e analisando apenas o enredo do filme: é um filme legal - e só. A cena-chave do filme é quando a Nona Sinfonia é executada para um teatro lotado. Nesta cena, fica evidente o quão grande o filme poderia ter sido. Com a câmera tremendo nas partes mais intensas da composição e focando o rosto, expressões e movimentos corporais de Beethoven a diretora Agnieszka Holland consegue tirar, momentaneamente, o filme do amadorismo reinante ao qual o filme estava condenado. A expectativa do coral antes da entrada em Ode à Alegria, evidenciada em uma tomada do rosto nervoso de uma das integrantes do coral e quando a câmera mostra membros do público boquiabertos e emocionados são cenas que, apesar de simples, cumprem seu papel.

Quanto aos atores: decepcionante. Apesar da atuação muito boa de Ed Harris, ele decepciona. Ao tentar mostrar um compositor obcecado, ele passa um "quê" de loucura e fanatismo, e não consegue passar segurança na tela, o que é essencial quando se tratando de um personagem histórico como Beethoven (talvez o problema tenha sido mais de roteiro do que de atuação, é verdade). Quanto à Diane Kruger, ela simplesmente não compromete, e isso é algo para se parabenizar com uma personagem tão comprometedora quanto Anna Holtz (depois explico o por quê disso). Quanto ao resto do elenco: fraquíssimo. Destaque negativo para o sobrinho de Beethoven, Karl von Beethoven, protagonizado por Joe Anderson. Poucas vezes vi uma atuação tão medíocre quanto essa.

Bom, saindo do âmbito cinematográfico e entrando no âmbito histórico.
Fatos: Beethoven existiu e realmente compôs uma Nona Sinfonia. Ele também estava ficando surdo.
Ficção: todo o resto.

A Nona Sinfonia foi a primeira sinfonia de Beethoven em 12 anos - tempo necessário para a composição das outras 8 sinfonias - e é um dos maiores marcos em sinfonias (sendo a primeira sinfonia a contar com um coral), tendo influenciado gerações e mais gerações de compositores. A Adagio da sétima de Bruckner, por exemplo, é uma herdeira da melodia do Terceiro Movimento da Nona Sinfonia, "Adagio molto e contabile", assim como suas Sinfonias em Ré menor (a terceira e a nona) são herdeiras diretas da Nona Sinfonia de Beethoven. Outro compositor que foi muito influenciado foi Mahler, especialmente em sua Segunda Sinfonia. A forma com que o Terceiro Movimento da Nona Sinfonia é encerrado também serviu de inspiração para o final da Agadio da Quarta Sinfonia de Mahler. Bom, acho que já deu pra entender o peso da Nona...

Ao contrário do que o filme mostra, a Nona Sinfonia não foi regida por Beethoven, e sim por Michael Umlauf, diretor musical do Kärntnertortheater, em Viena, onde foi apresentada pela primeira vez, em 1824. Apesar disso, Beethoven teve direito a um lugar ao lado do maestro. A primeira execução teve um sucesso estrondoso, apesar de Viena estar completamente cativada por Rossini.

Uma coisa que o filme pecou, e muito, foi o modo como foi mostrada a surdez de Beethoven. No filme, ele é apresentado como um exímio leitor de lábios (e mesmo assim, na maioria das vezes ele nem sequer estava olhando pra pessoa), e tendo uma surdez muito moderada, coisa que na realidade não acontecia. O problema de audição dele era tão grave que todos seus pianos tinham os pés cortados, para ficar próximo ao chão e ele poder sentir a vibração, deitado. Esse foi um dos pontos que eu acho que mais falhou no filme.

Mas vamos ao que ferrou, e muito, o filme: a diretora e os roteiristas se importaram tanto em criar outra personagem forte, para manter a trama que acabaram tirando o foco do que deveria ser o assunto principal: Beethoven. A personagem Anna Holtz é mostrada como uma personagem em quem Beethoven se apóia demais, diminuindo o compositor. Louie - como um de seus amigos se refere a ele, e que é outro ponto patético do filme - desenvolve inclusive um tipo de paixão pela garota. A cena em que Beethoven pede pra Anna banhá-lo tem que ser uma das cenas mais constrangedoras da história do cinema.

Outro erro do filme foi tentar se aproximar de Amadeus, de Milos Forman (que conta a história do, na minha opinião, mais genial compositor de todos os tempos, Wolfgang Amadeus Mozart), como na cena em que Beethoven, fraco, dita uma composição para Anna, no que parece uma clara tentativa de copiar a cena em que Mozart, a beira da morte, dita partes do Réquiem para Salieri copiar. Também na cena em que Anna toma coragem e mostra uma de suas composições para Beethoven e este ridiculariza a música, pode-se lembrar da cena em que Mozart, na frente de outros nobres, melhora uma composição de Salieri e o humilha.

Apesar de Beethoven ser um prato cheio pra qualquer roteirista, estes preferiram praticamente denegrir a imagem do compositor com uma história digna de filmes de fundo de locadora. Aposto muitas fichas de que se o filme fosse mais focado em Beethoven e na Nona Sinfonia, o filme iria se sobressair. Infelizmente, não foi o que aconteceu.

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